Para compreender a importância de interpretar um hemograma, primeiro vamos definir esse tipo de exame: o hemograma é o exame que avalia quantitativa e qualitativamente as células do sangue, hemácias, leucócitos e plaquetas, sendo essa avaliação automática, com necessidade de revisão microscópica desses valores por um profissional de laboratório (bioquímico).
Compreende, portanto, o eritrograma, leucograma e plaquetograma, vários índices e valores a serem interpretados em conjunto.
O termo “hemograma completo”, é portanto, redundante e ao pedir hemograma já temos a solicitação desse exame por completo.
Entretanto, o médico pode solicitar apenas partes desse exame como hematócrito, para liberação para procedimento cirúrgico, ou guiar transfusão de hemácias.
Nesse sentido, completa mesmo deve ser a análise automática e microscópica e terminando com uma boa interpretação desse exame em um contexto clínico.
É o exame mais realizado e mais acessível na prática médica, serve para avaliar o sangue nas diversas situações de saúde, tendo grande capacidade de detectar doenças do sangue e sistêmicas com repercussão sanguínea, tendo valor diagnóstico valiosíssimo com uma boa correlação clínica e exames complementares.
Só que há um grande problema: a dificuldade de compreensão, estudo e ensino das doenças hematológicas.
A complexidade e dinamismo do sangue nas diversas situações imagináveis, e seu surgimento em cada indivíduo peculiar, deixa praticamente as possibilidades de alterações infinitas.
É como se fossem as possibilidades de partidas de xadrez existentes após 10 lances de cada peça branca e preta, surgem com mais de 70 trilhões de possibilidades de jogo, sendo impossível ser decorado.
No entanto, o raciocínio do especialista baseado nas alterações do hemograma em conjunto com dados clínicos, permite reconhecimento de padrões de alterações que se repetem, trazendo informações extremamente valiosas, não apenas para o diagnóstico em si, mas também para estabilização e suporte ao paciente até o tratamento específico.
A diferença em questão é quem é o professor de xadrez do sangue na sua formação?
É preciso ter acesso a mecanismos de aprendizados baseados no raciocínio do especialista, baseados nos diagnósticos do hemograma e daí como um mapa de busca ao tesouro a ser seguido, com os passos para o diagnóstico definidos com base em uma correta interpretação do hemograma.
Infelizmente mais de 95% dos médicos não sabem jogar esse xadrez, sabendo identificar as peças no tabuleiro, sem entretanto, desvendar o mistério da doença em questão. Trazendo graves prejuízos para os pacientes e para sua prática médica (risco de erro, negligência, retardo e agravo diagnóstico)
O hemograma normal, não exclui doenças, e um hemograma alterado deixa marcas de doenças do sangue, e de doenças sistêmicas com resposta diversas, saber avaliar corretamente um paciente com determinado hemograma, aproxima e agiliza o diagnóstico.
Da mesma forma, esse exame facilita a investigação de exames complementares, e permite o suporte do paciente em paralelo ao diagnóstico: estabilização clínica até o diagnóstico e terapêutica da doença em si.
O hemograma, e o paciente como um todo, tendem a melhorar com o sucesso do tratamento. Ter o hemograma como aliado melhora e muito a prática da medicina e sucesso na resolução dos casos clínicos.
Lembrando que esse tipo de exame tem função diagnóstica, prognóstica, evolutiva.
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O diagnóstico médico é dinâmico e compreende a clínica do paciente, os exames complementares e muitas vezes a evolução clínica.
Tomemos como exemplo um caso de sepse, que consiste em uma resposta inflamatória sistêmica na vigência de um foco infeccioso.
Na chegada ao PS, por mais que tenhamos esse diagnóstico bem sugestivo, sua confirmação demanda critérios clínicos, laboratoriais, microbiológicos e radiológicos e num caso de pneumonia, na maioria das vezes ficamos com esse diagnóstico empírico, e tomamos condutas clínicas bem antes de ter a certeza de que se tratava de uma infecção: manter os sinais vitais e a homeostase, ainda que com terapia intensiva (hidratação, drogas vasoativas, suporte ventilatório, diurese…).
E tratar a causa base antibióticos de amplo espectro, sabendo que errar na cobertura do possível agente infeccioso, pode ser catastrófico (os estudos mostram que até 1/3 dos esquemas usados na sepse falharam e o paciente evolui para óbito).
Bem, ele simplesmente permite, ajuda no diagnóstico das sepses e na etiologia infecciosa, sendo típicos os quadros de leucocitose neutrofílica, aumento de células jovens (>5% de bastões), altamente sugestivas de uma sepse por pneumonia pneumocócica (bactéria virulenta).
Porém, isso é um conhecimento meio que consagrado até para o leigo: o aumento dos leucócitos no sangue é indicativo de infecção. Mas é preciso saber que infecção bacteriana e sepse podem vir com leucograma normal ou até com leucopenia.
A plaquetopenia no contexto de infecção lembra infecção viral como dengue por exemplo, mas é sim compatível com infecção bacteriana, sendo inclusive um critério de SOFA, configurando gravidade e risco de evolução desfavorável.
Ou seja, essa regra de leucocitose ser igual a infecção pode ser falha e variação da leucocitose (leucopenia ou plaquetopenia), são não apenas compatíveis com infecção bacteriana, mas estão associadas a um pior prognóstico.
Imagine dar alta do PS a uma possível dengue ou COVID leve com Dipirona oral, mas que na verdade se trata de uma idosa com sepse urinária que está bem, só está um pouquinho desorientada? Ou seja, outra disfunção grave que é alteração de consciência na sepse.
A clínica, os sinais vitais, a epidemiologia, o hemograma e os demais exames complementares, a evolução do quadro frente às suas condutas são as peças de um xadrez complexo, e a vida do paciente está literalmente em xeque.
Os erros mais comuns são generalizar achados comuns e pontuais do hemograma, como anemia sendo por falta de ferro, quando talvez seja um dos diagnósticos diferenciais mais amplos da medicina.
E sua abordagem é bem diferente em homens e mulheres. Elas por menstruarem, na vigência de anemia ferropriva, vão ter suplementação de ferro e controle de ciclo e orientações nutricionais dietéticas.
Os homens terão os mesmos cuidados, porém com abordagem para perda crônica de ferro em especial atenção ao trato gastrointestinal (neoplasias, doença péptica, varizes de esôfago, diverticulose).
Outro erro é associar infecção bacteriana com leucocitose, sendo comum o tratamento da leucocitose com antibiótico. agora o erro mais comum é o bloqueio de raciocínio, diante de um hemograma repleto de alterações que deverão ser confrontados com um caso clínico muitas vezes grave e complexo.
O problema é não conseguir montar as peças desse quebra-cabeças que pode ser de 10, 50, 100, 500, 1000 peças, afastando o médico do diagnóstico ou dando espaço para os erros diagnósticos e terapêuticos.
Some-se a isso o fato de o profissional Hematologista não ser acessível em escalas de plantão, e a gravidade das doenças hematológicas e sistêmicas, demandam rapidez e muita responsabilidade nas condutas.
As doenças do sangue precisam e MUITO do médico não especialista nas doenças em suas diversas esferas: urgência, ambulatorial, centro cirúrgico e hospitalar.
Trata-se do exame mais acessível na prática médica. E que sua interpretação não mudou com a evolução da medicina, tendo as mesmas técnicas de análise há décadas. Por isso, é preciso saber que o hemograma é um print de suas células do sangue em um dado momento em uma determinada situação.
E que temos dois caminhos a percorrer:
Anemia isolada é um mundo de possibilidades, no entanto a anemia microcítica (VCM < 80 fL), restringe essas hipóteses para anemia ferropriva, talassemias e anemia da doença inflamatória crônica basicamente.
Ou seja, quanto mais informações eu obtiver do hemograma, mais hipóteses específicas eu posso ter, direcionando cada vez mais o diagnóstico, racionando e agilizando os recursos complementares de exames e muitas vezes a própria anamnese, como pesquisar sobre menstruação e hábito intestinal.
Saber que o hemograma é uma extensão do exame físico, no prisma da foto microscópica da doença do sangue ou da doença sistêmica com resposta sanguínea (reacional).
O hemograma analisa alterações quantitativas das séries eritrocitária, leucocitária e plaquetária, bem como alterações da qualidade de dessas células, tanto automática como por revisão microscópica por profissional capacitado.
No entanto, para médicos não especialistas e na maior parte das vezes para nós especialistas, nos basta um papel impresso do hemograma de confiança, e uma correta interpretação, sempre com correlação clínica.
Os diagnósticos do hemograma são inúmeros, mas podem ser divididos em alterações da série vermelha, da série branca e da série plaquetária.
Essas alterações podem ser primárias, facilmente reconhecidas quando se compara valores do paciente com a referência do exame, por exemplo a redução de suas contagens como anemia, leucopenia ou plaquetopenia, ou seu aumento policitemia, leucocitose ou plaquetose.
Os diagnósticos secundários são padrões de alterações do hemograma que correspondem a diagnósticos hematológicos que surgem quando se avalia as alterações quantitativas e qualitativas em conjunto.
Por exemplo, anemia, leucopenia e plaquetopenia juntos no hemograma trazem o diagnóstico de pancitopenia.
E embora suas causas possam incluir diminuição da produção das células na medula óssea, aumento da destruição dessas células ou consumo, ou sequestro esplênico, a combinação dessa três citopenias deixam os hematologistas com um limiar muito baixo de avaliação da medula óssea com mielograma e biópsia de medula óssea.
Uma vez que se não for detectado uma causa laboratorial a justifique, como a deficiência de vitamina B12, será preciso afastar leucemia, aplasia medular, displasia da medula óssea, ou metástase medular.
Outro achado são anemias hemolíticas que cursam com anemias, aumento dos reticulócitos e de células vermelhas jovens e ainda nucleadas (eritroblastos), aumento do volume corpuscular médio, e formas diversas de eritrócitos que sugerem diagnósticos específicos como hemácias em foice (depranócitos), caracterizando a anemia falciforme.
Outro padrão de anemia hemolítica, é quando existe a presença de esquizócitos (fragmentos de hemácias) e plaquetopenia, trazendo à tona o diagnóstico de anemia hemolítica microangiopática (hemólise por destruição intravascular na microcirculação, com fragmentação eritrocitária e plaquetopenia por consumo).
A microangiopatia trombótica, em que a púrpura trombocitopênica trombótica, é o exemplo clássico, e se caracteriza pela pêntade clássica:
Veja que nessa doença os achados do hemograma são cruciais.
As leucocitoses muito expressivas, acima de 50.000 (4.000-10.000), chamamos de reação leucemóide, lembrando o hemograma das leucemias, tumores dos leucócitos que acomete a medula óssea e o sangue, mas que nem sempre o são.
Uma infecção bacteriana com abscesso, por exemplo apendicite perfurada, podem perfeitamente simular uma leucocitose tão expressiva.
Nesse caso, o médico tem recursos clínicos e dados do hemograma para avaliar se há leucemia ou leucocitose expressiva reacional.
Avaliar um hemograma compreende analisar todos os seus itens alterados. Até aí, tudo bem, qualquer pessoa que leia português pode identificar essas alterações, como se fosse “jogo dos sete erros”.
Feito essa identificação, o médico deve listar hipóteses para cada alteração encontrada. Se a alteração for somente anemia, ficamos com muita hipótese diagnóstica, e os exames complementares quem irão esclarecer o que se passa.
No entanto, se a alteração for, anemia microcítica (VCM < 80 fL), restringimos as hipóteses principais para: ferropenia, inflamação crônica ou talassemia. Facilitando e agilizando o diagnóstico.
Fica a lição de que quanto mais alterado for o hemograma, mais informações secundárias eu vou assimilar na compreensão do paciente em questão.
A doença oculta está para o médico, assim como o criminoso está para a justiça. E o hemograma com a análise do sangue é um excelente detector do criminoso em si ou de seus rastros deixados pelo organismo.
Após a formulação de hipóteses do hemograma, elas são confrontadas com a clínica do paciente, lançando mão do laboratório e demais exames complementares.
Esses serão otimizados, racionalizados e todo o processo de suporte ao paciente ficará mais seguro sendo a meta é que se confirme laboratorialmente as hipóteses formuladas.
O hemograma é a montanha que deve ser escalada até a resolução do problema médico, que obviamente não deve ser limitada a seu universo.
Achou anemia microcítica? Confirme a etiologia com dosagem do perfil do ferro. Mais a do laboratório de anemia, já que não é pouco frequente mais de um mecanismo de anemia superposto.
Seguem alguns exemplos e as condições clínicas superpostas mais comuns na etiologia da anemia:
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Dr.º Frank Filho – CRM 6187 | Clínica Médica e Hematologia pela USP – SP